A História da Arquitetura em Santos
por Felipe Ozores
Século XX - O Neocolonial e a afirmação nacionalista
Na primeira metade do séc. XX é crescente o número de imigrantes que desembarcam no país, trazendo consigo uma bagagem cultural estranha às tradições brasileiras. A arquitetura é uma das artes afetadas por essa onda estrangeira, agravada pelo ecletismo que institui a importação de estilos europeus para a construção de casas e edifícios. Há, no meio intelectual, um movimento de reação à invasão estrangeira, do qual participam escritores, pintores, escultores e arquitetos. As obras de Monteiro Lobato, as esculturas de Brecheret, as pinturas de Tarsila do Amaral e a arquitetura neocolonial de Ricardo Severo são exemplos dessa reação ao estrangeirismo.

O arquiteto Ricardo Severo, sócio de Ramos de Azevedo, projeta para Santos dois edifícios em estilo neocolonial, de suma importância para a cidade: o Colégio Escolástica Rosa e o Hospital Santo Antônio da Sociedade Beneficência Portuguesa, que apresentam em sua fachada elementos significativos da arquitetura colonial brasileira. Se, por um lado, o neocolonial teve o mérito de chamar a atenção para a arquitetura local, por outro foi considerado um equívoco, ao fazer uma transposição insensata de elementos do passado para o presente, quando já se dispunha de novas tecnologias construtivas.

Dois importantes edifícios representativos do neocolonial: o antigo Internato Escholástica Rosa e o Hospital da Beneficência Portuguesa. O neocolonial
buscava afirmar a arquitetura brasileira diante da invasão de estilos
estrangeiros, aumentada pelas ondas imigratórias do século XIX.
O que ver hoje
Escolástica Rosa: datado de 1908, o prédio do antigo Internato foi reformado duas vezes, em 1936 e 1951. Foi tombado em 1992 e restaurado alguns anos depois.
Av. Bartolomeu de Gusmão, 111 - Ponta da Praia
Beneficência Portuguesa: inaugurado em 1926, o Hospital da Beneficência segue as linhas neocoloniais propagadas pelo arquiteto português Ricardo Severo.
Av. Bernadinho de Campos, 47 - Vila Belmiro
O Art-Déco e a influência conservadora
Após a 1ª Guerra Mundial há, nos Estados Unidos, uma valorização das manifestações artísticas primitivas da América pré-colombiana e da África, em razão do avanço de descobertas arqueológicas, principalmente do túmulo do faraó egípcio Tut-Ank-Amon, em 1922. Figuras geométricas, quase abstratas, comuns a essas manifestações artísticas, são absorvidas pelo Art-Déco e rapidamente este estilo torna-se a imagem da metrópole moderna americana.

No Brasil, o Art-Déco é adotado como solução conservadora aos dilemas da arquitetura dos anos 30. Havia um consenso para superar o ecletismo, - sem sentido ante os avanços tecnológicos da época -, mas também havia uma resistência à arquitetura moderna, tida como comunista por ter surgido sob ideais socialistas.
O Art-Déco, pela origem norte-americana, veio conciliar as aspirações modernas com a tradição e o conservadorismo da burguesia paulista, que não compreendia os aspectos inovadores da nova arquitetura que viria a ser adotada anos mais tarde.

Em Santos, um edifício se destacava por suas características Art-Déco: o antigo Hotel Gironda, cuja fachada era desenhada por linhas curvas e aberturas redondas. Localizado no Gonzaga, foi implodido pelo empresário Armênio Mendes na década de 90. No mesmo bairro, o antigo Cine Teatro Cassino, depois Cine Gonzaga, destaca-se por suas linhas art-déco. No Centro, o prédio da Alfândega e a Biblioteca Municipal Alberto Souza tem suas fachadas decoradas com motivos geométricos.
A chegada do art-déco iniciava a transição do ecletismo para a revolucionária arquitetura moderna. Os traços geométricos do estilo aparecem no prédio da Alfândega, em detalhes da fachada. Já o projeto do Mercado Municipal aplica a geometria no tratamento dos volumes do edifício como um todo, se aproximando um pouco das idéias da arquitetura Moderna.
O que ver hoje
Cine Teatro Cassino: o mais belo edifício Art Déco de Santos está em franco processo de decadência. O antigo teatro, mais tarde Cine Gonzaga, hoje abriga uma loja do Mc Donalds, as Lojas Americanas, a Drogasil e a Livraria Siciliano. Não há estudos para a revitalização.
Av. Ana Costa, 540 - Gonzaga
Mercado Municipal de Santos: datado de 1948, é o segundo prédio do Mercado Municipal.
Praça Iguatemy Martins, s/n - Paquetá
Alfândega: o prédio, de 1934, sofreu algumas descaracterizações com a reforma de 1974. Mas no fim dos anos 90, com os esforços de revitalização do Centro Histórico, as modificações foram desfeitas e o prédio, restaurado.
Praça da República, s/n - Centro
Sociedade Humanitária: inaugurado em 1931, foi um dos primeiros edifícios de Santos a receber a influência dessa arquitetura.
Praça José Bonifácio, 59 - Centro
Biblioteca Municipal de Santos: prédio datado dos anos 40, antiga sede da Associação Predial de Santos.
Rua Amador Bueno, 22 - Centro
Sobrados da Rua Marcílio Dias: o conjunto de quatro pequenos sobrados é marcante, mas está completamente escondido por placas de publicidade.
Calçadão da Rua Marcílio Dias - Gonzaga
O que perdemos
Hotel Gironda: na esquina das ruas Jorge Tibiriçá e Alamir Martins, era o melhor exemplar santista da arquitetura art-déco. Foi implodido nos anos 90.
Cine Roxy (prédio antigo): inaugurado em 1934 e situado no mesmo local do atual, à Av. Ana Costa 443, foi destruído por um incêndio na década de 50.
O Cine Roxy, tal como era em 1934, na época de sua inauguração.
Arquitetura Fascista
A Arquitetura fascista surge a partir de movimentos nacionalistas na Europa, notadamente Itália, cuja arquitetura oficial remetia ao poder do Império Romano. Propunha uma arquitetura de impacto, tentando se colocar acima da proposta tecnicista e funcionalista da arquitetura Moderna, mantendo a presença da ordem clássica que estabelecia, na composição da fachada, uma dinâmica através da hierarquia de seus elementos. Essa arquitetura deve expressar a monumentalidade correspondente à grandeza do Fascismo, representar uma ordem moral e dar continuidade à tradição do Império Romano.

A Arquitetura fascista chega ao Brasil através de arquitetos - filhos de imigrantes italianos -, que estudaram na Itália e retornaram ao país, e de Marcello Piacentini, principal arquiteto italiano do período que, entre outros edifícios, projetou na capital a sede das Indústrias Matarazzo e a atual sede da Prefeitura de São Paulo, no Vale do Anhangabaú. Na cidade de Santos, nossos mais significativos exemplares dessa arquitetura são o Palácio da Justica (onde funciona o Fórum) e a sede da Secretaria de Estado da Fazenda.
Sob a influência da arquitetura Fascista que se impunha na Itália, arquitetos brasileiros descendentes de italianos, que estudaram naquele país, reproduziam aqui edifícios que tentavam se aproximar da grandiosidade imperial romana através de suas linhas de impacto. Em Santos temos dois exemplos significativos: à esquerda, o Palácio da Justiça e Fórum e, abaixo, a Secretaria da Fazenda do Estado.
O que ver hoje
Palácio da Justiça: datado de 1962.
Pça José Bonifácio, s/n
Secretaria de Fazenda do Estado
Pça Antônio Telles, s/n
A História da Arquitetura em Santos - índice geral
1 Introdução - compreendendo arquitetura e urbanismo
2 Sec. XVI - Arquitetura portuguesa (jesuíta e militar)
3 Sec. XVII e XVIII - influência religiosa (arquitetura barroca)
4 Sec. XIX - a concepção do edifício público
(arquiteturas neoclássica, vitoriana e eclética)
5 Sec. XX - nacional ou estrangeiro
(arquitetura neocolonial - art déco - arquitetura fascista)
6 Sec. XX - arquiteturas alternativas e revolucionárias
(chalés - arquitetura moderna - arquitetura concreta)
7 Sec. XXI - arquitetura contemporânea
(a arquitetura pós-moderna - reciclagem arquitetônica)
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Bibliografia
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