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História da Arquitetura em Santos |
por
Felipe Ozores |
Século XIX - A Arquitetura Neoclássica |
O advento da Revolução Industrial na Europa,
da máquina, da produção em massa, gera
um enorme êxodo do campo em direção às
cidades, fazendo surgir novas formas de convivência social
e graves problemas pela falta de urbanização.
Na mesma época, escavações arqueológicas
na Itália descobrem as ruínas de Pompéia,
revelando a vida prática e a funcionalidade da urbe romana,
que passa a ser um referencial urbano para aquela sociedade
em transformação. O modelo descoberto atendia
de imediato às novas demandas sociais que surgiam.
As cidades se reestruturavam através da construção
de edifícios que até então não existiam:
escolas, hospitais, cemitérios, portos, quartéis,
pontes, praças, etc. Deixam de ser desenhadas pela fantasia
do clero ou dos monarcas e passam a ser projetadas para atender
questões sociais. Nesta época surge também
a estética, a filosofia da arte, a ciência do que
é belo do ponto de vista crítico e racional. A
sobriedade no ornamento, o equilíbrio e a proporção
dos volumes da arte clássica era, então, a que
mais se aproximava dos conceitos científicos de beleza.
No início do século XIX, D. João VI traz
para o Brasil a Missão Francesa, composta por 32 artistas
daquele país, entre os quais arquitetos que projetaram
importantes edifícios públicos para Santos, como
a Alfândega já demolida. Se, no século XVIII,
era o clero a ser monumentalizado através da construção
de igrejas barrocas, no século XIX são os edifícios
públicos (res-pública) que agora representam
a urbanização e a modernização das
cidades. A Casa de Câmara e Cadeia (projetada em 1836)
é outro edifício que alia a imponência do
edifício público, sede de governo, com sutis ornamentos
da arquitetura neoclássica presentes na fachada. Mas
em Santos, nem sempre o público prevalecia sobre o privado,
como na Europa. Edifícios privados também destacavam-se
na cidade, como a Casa de Frontaria Azulejada (1869), que une
a arquitetura neoclássica com a técnica de revestimento
portuguesa, e os Casarões do Valongo (1867). |
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A Casa de Câmara e Cadeia
(esq.) e a Casa de Frontaria Azulejada (direita):
a presença da arquitetura neoclássica tentava
adequar a paisagem de Santos às transformações
urbanas que ocorriam no Brasil em razão da abertura
dos portos ao comércio internacional. O objetivo era
aproximar seus
aspectos de organização urbana à imagem
de uma cidade européia. |
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que ver hoje |
Casa
da Câmara e Cadeia: com construção iniciada
em 1836 e concluída somente em 1866.
Praça dos Andradas, s/n - Centro Casa
de Frontaria Azulejada: um dos mais belos edifícios
de Santos, construído em 1865 pelo Comendador Ferreira
Neto.
Rua do Comércio, 98 - Centro Casarões
do Valongo: construídos em 1867 e 1872, inicialmente
serviram de residência e depois abrigaram, respectivamente,
a terceira sede da Câmara e a Administração
Municipal até o ano de 1939.
Largo Marquês de Monte Alegre s/n - Centro Casa
da Typografia Brasil: um dos mais antigos edifícios
remanescentes da antiga Rua Direita.
Rua XV de Novembro, 117 - Centro |
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que perdemos |
Antiga
Alfândega: o belíssimo edifício, de
1880, foi projetado pela Academia Imperial de Belas Artes a
mando de D. Pedro II. Em 1939 foi demolido para dar lugar ao
prédio atual. Theatro
Guarany: inaugurado em 1882 e reformado em 1911, foi sendo
descaracterizado a partir dos anos 40 e destruído por
um incêndio em 1981. Resta a fachada em ruínas.
Praça dos Andradas, 100 - Centro Santa
Casa de Misericórdia: do edifício original,
construído em 1836 no sopé do Monte Serrat, resta
somente a escadaria da entrada principal, junto à saída
do Túnel. |

Esse belo edifício neoclássico,
inaugurado em 1880 foi a sede da Alfândega
por 54 anos. Em 1934 seria demolido para a construção
de um edifício maior
que pudesse atender o crescente movimento portuário (foto
Setur). |
A Arquitetura Vitoriana e o imperialismo inglês |
Detentora de tecnologia e capital provenientes da exploração
de suas colônias e de países periféricos,
como o Brasil, a Inglaterra tornou-se, na segunda metade do
séc. XIX e sob o reinado da Rainha Vitória, a
grande potência econômica e militar mundial. Principal
palco da Revolução Industrial, novas máquinas
e processos produtivos favoreciam a acumulação
de capital e o investimento desse capital em países em
desenvolvimento, como o Brasil, onde os ingleses facilmente
ganhavam concessões para a construção e
exploração de grandes obras de infra-estrutura,
como portos e ferrovias.
A presença inglesa em Santos crescia no mesmo ritmo que
a dependência econômica do Brasil em relação
à Inglaterra. Tanto assim que a arquitetura vitoriana
tem na cidade uma importante presença: a Estação
do Valongo. Construída a partir de 1860, foi totalmente
importada da Inglaterra pela São Paulo Railway Co. Sua
construção introduziu na cidade novas tecnologias,
como paredes estruturais de tijolos assentados em amarração
e até mesmo elementos arquitetônicos dispensáveis
ao nosso clima, como os balaústres de ferro na cobertura,
próprios para o escoamento de neve. A presença
dos ingleses em Santos era tão forte, que fez surgir
até mesmo um bairro, o Bairro dos Ingleses (no José
Menino). Ali se instalou o Hotel Internacional (1894), de arquitetura
vitoriana, estilo que influenciou outras residências na
cidade, como as destinadas aos inspetores gerais da Cia Docas
(1902), hoje ocupadas pelo Museu do Porto. |
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Ao lado, os casarões
do Museu do Porto, construídos pela Cia Docas de
Santos para residência de seus inspetores..
Abaixo, a Estação da São Paulo Railway
Co., nosso mais típico edifício vitoriano,
na véspera da reabertura após processo de
restauração efetuado em 2003. |
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que ver hoje |
Estação
do Valongo: de 1867, é a cópia reduzida da
Victoria Station de Londres. Foi totalmente restaurada em 2003.
Lgo. Marquês de Monte Alegre, s/n Casarão
do Museu do Porto: datado de 1902.
Av. Cons. Rodrigues Alves esq. com Rua Cons. João Alfredo,
Macuco Antiga
Garagem dos Bondes
Av. Rangel Pestana - Vila Mathias |
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que perdemos |
Hotel
Internacional: de 1894, ficava na orla da praia do José
Menino. Sua localização era previlegiada, de frente
para o mar e a ilha de Urubuqueçaba, onde hoje localiza-se
um trecho de edifícios na faixa da areia. Foi demolido
para resolver problemas de trânsito. Western
Telegraphy: um dos mais imponentes edifícios da cidade,
local de encontro de comerciantes, exportadores e marinheiros
que queriam comunicar-se com o estrangeiro. Localizava-se em
frente ao Cais do Valongo, junto a Bolsa Oficial de Café
e foi demolido nos anos 70 para dar lugar à passagem
de caminhões |

O Internacional em postal que circulou
em 1908. À beira-mar, foi o primeiro
hotel de luxo nas praias e projetou Santos no exterior (col.
João Gerodetti) |
O ecletismo e o desenvolvimento urbano de Santos |
Na Europa, o declínio do classicismo dá espaço
ao academicismo das Belas Artes, que estuda e cria um repertório
de estilos do passado, passíveis de combinação
e adaptáveis a qualquer tipologia construtiva. Por um
momento na história os arquitetos ficam restritos a decorar
fachadas de edifícios pré-concebidos por engenheiros,
até um ponto em que a arquitetura renuncia às
Belas Artes em favor da técnica, tornando-se esta a própria
razão da Arte. Surge o ecletismo, que mistura o renascentista
e o medieval, o gótico e o neoclássico, de forma
aleatória, desproporcional e irracional.
Para a burguesia brasileira, Paris era uma cidade modelo, com
seus boulevards criados pelo Plano Haussmann de reurbanização
da cidade. No Rio de Janeiro, o prefeito Pereira Passos construía
a Avenida Central, cujos edifícios obrigatóriamente
seguiam o estilo eclético, numa tentativa de impor Paris
aos trópicos. Logo, o ecletismo tornou-se sinônimo
de luxo, alastrando-se pelo país e chegando a Santos
justamente em seu período de apogeu econômico.
São incontáveis os edifícios na cidade
cujas fachadas são decoradas no estilo eclético,
mesmo já dispondo a Arquitetura de tecnologias avançadas
como o concreto armado. O edifício da antiga Bolsa Oficial
de Café, inaugurado em 1922, é o que melhor representa
esse período: é construído em concreto
armado, mas totalmente decorado em estilo eclético. Sua
fachada possui elementos clássicos, renascentistas e
barrocos, enquanto que o salão de pregões segue
o estilo bizantino-renascentista.
Outros exemplos são a Catedral de Santos (1909), com
projeto em estilo neogótico de Maximiliano Hehl; a Associação
Comercial de Santos (1924), de fachada clássica manuelina;
o edifício do Corpo de Bombeiros (1909), em estilo gótico-renascentista,
e o Centro Português de Santos (1901), em estilo neomanuelino,
edifícios que curiosamente mesclam arquiteturas do passado. |
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Acima, a torre da Bolsa Oficial
de Café (esq.), e a Construtora Fênix,
na ex-sede da Banca Italiana di Desconto (direita).
Ao lado, porta de edifício na Rua do Comércio.
Abaixo, o Centro Português. O ecletismo teve
forte presença em Santos por ter surgido
na época de seu apogeu econômico. O
avanço de novas tecnologias e do papel da
Engenharia condenou a Arquitetura à mera
composição de fachadas. Era comum
a mistura de elementos de diversas épocas
e países, como o clássico, o renascentista
italiano, o gótico, o manuelino de Portugal,
etc. |
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que ver hoje |
Bolsa
Oficial de Café: com projeto datado de 1920, foi
inaugurada em 1922, nas comemorações do centenário
da Independência. Em 1981 o prédio foi tombado
pelo Condephaat e, em 2006, pelo Iphan. Restaurado em 1999,
hoje abriga o Museu dos Cafés do Brasil.
Rua XV de Novembro, 95 - Centro Theatro
Coliseu: inaugurado em 1924, foi tombado e fechado para
restauração durante 12 anos. Foi reaberto em janeiro
de 2006.
Rua Amador Bueno, 237 (Pça José Bonifácio)
- Centro Bolsa
de Valores de Santos: datado de 1925, foi sede do Banco
Brasileiro Alemão e atualmente abriga o World Trade Center-Santos.
Rua XV de Novembro, 111 - Centro Câmara
Municipal de Santos: o edifício vizinho à
Bolsa de Café, datado de 1930, abriga atualmente a Câmara
Municipal e tem em sua fachada uma placa comemorativa que marca
o local da casa em que nasceu e cresceu José Bonifácio.
Rua XV de Novembro, 103 - Centro Associação
Comercial de Santos: de 1930, o curioso edifício
possui elementos decorativos em escala incompátivel com
suas proporções.
Rua XV de Novembro, 137 - Centro Antiga
Casa Alemã: construída por volta de 1915,
foi um dos principais pontos comerciais da cidade. Recentemente
restaurada e reciclada, hoje é a atual sede da P. O.
Nedlloyd Brasil Navegação.
Praça Rui Barbosa, 26 - Centro Correios
e Telegraphos: construído em 1924, é a terceira
sede dos correios e foi uma doação da Cia Docas
de Santos.
Praça Mauá, s/n - Centro Palácio
José Bonifácio: um dos mais imponentes edifícios
da cidade, inaugurado em 1939, por ocasião do centenário
da elevação de Santos à categoria de cidade.
Praça Mauá, s/n - Centro
Catedral
de Santos: iniciada em 1909, com projeto em estilo neogótico
de Maximiliano Hehl (que também projetou a Catedral da
Sé, em São Paulo), teve sua primeira missa em 1924,
mas só em 1951 foi inteiramente finalizada.
Praça José Bonifácio, s/n - Centro
Atlântico
Hotel: datado de 1928 e necessitado de restauro, o hotel
é um dos mais marcantes edifícios do Gonzaga.
Av. Presidente Wilson, 1 - orla da praia do Gonzaga Remanescente
do Parque Balneário Hotel: datado de 1914, era ocupado
pelos setores de serviço do hotel e também hospedava
a criadagem dos hóspedes.
Praça Rotary, 1 (Esq. Fernão Dias e Carlos Afonseca)
- Gonzaga Pinacoteca
Benedito Calixto: datado de 1900, foi completamente reformado
em 1921, quando ganhou rico acabamento em elementos art-nouveau,
principalmente os adornos e afrescos inspirados na natureza.
Foi restaurado em 1992 para abrigar a Pinacoteca.
Av. Bartolomeu de Gusmão, 15 - orla da praia do Boqueirão
Colégio
Cesário Bastos: datado de 1915, mostra a influência
da arquitetura art-nouveau na cidade.
Praça Narciso de Andrade, s/n (Av. Rangel Pestana) -
Vila Mathias Centro
Português de Santos: projeto datado de 1898, de autoria
dos engenheiros portugueses Ernesto Maia e João Esteves
Ribeiro da Silva, foi inteiramente concluído em 1901.
Rua Amador Bueno, 188 - Centro |
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O Grande Hotel de La
Rotisserie Sportsman dava frente para a Praça Mauá
e para a Rua XV de Novembro e sua lateral ocupava toda
a quadra da atual Rua Riachuelo (col. João Gerodetti) |
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que perdemos |
Rotisserie
Sportsman: construído por volta de 1900, esse grande
hotel ocupava a quadra inteira da Rua Riachuelo, da Rua XV de
Novembro até a Praça Mauá. Foi demolido
para dar lugar à agência do Banespa na Praça
Mauá. Santos
Hotel: datado de 1924, ficava no Largo do Carmo, atual Praça
Visconde do Rio Branco, onde hoje se situa o edifício
do Forum Federal, antigo Instituto Brasileiro de Café.
Correios
e Telegraphos (sede antiga): o que restou da imponente sede
dos Correios e Telegraphos ainda ocupa hoje toda a frente da
Praça Rui Barbosa, na Rua Frei Gaspar. Sofreu descaracterizações,
como a tentativa frustada de atualizá-lo nos anos 40
e, mais tarde, a demolição da fachada sul para
o alargamento da Rua João Pessoa. Parque
Balneário Hotel: datado de 1914, ocupava a quadra
inteira da Av. Ana Costa com a praia, no Gonzaga. Foi o mais
suntuoso hotel da cidade, símbolo da época áurea
do café, e seus jardins foram incluídos no plano
urbanístico de Saturnino de Brito. Foi demolido nos anos
70 para a construção de um condomínio,
um shopping e um hotel, todos com o nome de Parque Balneário. |
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O Hotel Parque Balneário
foi construído com materiais importados e, durante
muitos anos, foi o mais luxuoso da cidade. O que restou
dele ainda pode ser visto na Praça Rotary, no Gonzaga:
um prédio anexo que abrigava o setor de serviços
e a criadagem dos hóspedes. |
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História da Arquitetura
em Santos - índice geral |
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4 |
Sec. XIX - a concepção
do edifício público
(arquiteturas neoclássica, vitoriana e eclética) |
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pag.5 |
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Bibliografia |
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