Porto de Santos - Marco de desenvolvimento
1532-1869 - O início e o crescimento

Em seus primórdios, o Porto de Santos, que chamava-se na verdade Porto de São Vicente, situava-se na Ponta da Praia. Com o crescimento do povoado de Enguaguaçu, o porto foi transferido para o Lagamar do Enguaguaçu, em frente ao vilarejo, o que trazia uma série de vantagens, principalmente a facilidade para o acesso da carga e o fato de os navegantes não ficarem numa região isolada enquanto o navio permanecesse atracado.

Naquela época, o porto não passava de um conjunto de trapiches de madeira que atravessavam trechos do mangue, chegando até a beira d'água e possibilitando a atracação de navios de pequeno porte. Naus maiores tinha sérios problemas para atracação e frequentemente encalhavam ao se aproximarem dos trapiches, que íam sendo feitos aleatoriamente, de acordo com a necessidade do momento.

A rampa e o porto do Consulado, defronte à atual Rua frei Gaspar,
de grande movimentação no século XVIII (tela de B. Calixto).
O porto e a vila crescem na mesma proporção, em virtude da incrementação do comércio com as Vilas de Santo André da Borda do Campo e São Paulo de Piratininga, que se desenvolvem de forma acelerada. As cargas chegam ao porto em lombos de burros ou carregadas por escravos, ou ainda em canoas que descem os rios e os córregos da planície da ilha.
O porto cresce às margens do estuário ao redor da ilha, em um terreno lodoso, que aumenta ou diminui conforme as marés. Os trapiches frequentemente são arrastados pelas chuvas mais fortes ou arrasados por enormes troncos que chegam à beira d'água trazidos pelas marés. A pequena Vila cresce em função do crescimento do porto, pois todo novo prédio erguido tem alguma relação direta ou indireta com as atividades portuárias.

O Porto do Bispo no Valongo, tendo ao fundo a Serra do Mar.
Em primeiro plano o mercado das canoas (tela de B. Calixto).
No século XVIII as atividades portuárias se concentram em dois ancoradouros principais: o Porto do Consulado, em frente à Rua do Consulado (atual Frei Gaspar), e o Porto do Bispo, na altura do atual Largo Marquês de Monte Alegre, no Valongo.
O Porto do Consulado era uma tosca ponte à beira da qual havia um barracão onde funcionava a alfândega e onde estava instalada a "mesa do consulado" - os comandantes de navios eram obrigados a prestar declarações aos respectivos cônsules em países estrangeiros.
O Porto do Bispo era um conjunto de trapiches que alcançava a área do atual Largo Marquês de Monte Alegre, frequentemente invadida pela água nas altas da maré. Recebeu esse nome em homenagem ao 4° bispo de São Paulo, que ali desembarcou em 1797 e permaneceu na cidade por um mês.

O desenvolvimento do interior da Província de São Paulo e a cultura cafeeira acarretam acentuado crescimento da produção agrícola e a necessidade urgente de melhorar as condições para o seu escoamento em direção ao porto. Assim, em 1864 é iniciada a construção da Estrada de Ferro São Paulo Railway, a primeira ligação ferroviária entre o Porto de Santos e o restante da Província e cuja inauguração se dá em 1867. A São Paulo Railway foi de vital importância para o desenvolvimento do porto e da Vila de Santos.

O Viaduto da Grota Funda da São Paulo Railway, no trecho da serra do mar,
tinha 205 m de comprimento e até 48m de altura (imagem M. Serrat).
1870-1888 - A novela das concessões

Em 1870, o "Caminho de Ferro" já operava havia três anos e os navios já eram movidos a vapor. No entanto, o porto de Santos funcionava de forma precária, como funcionou durante três séculos. Houve algumas melhorias, mas a carga e descarga ainda era feita através dos trapiches: o Trapiche do Consulado, o Trapiche do Arsenal, o Trapiche da Praia, o Trapiche da Capela, o Trapiche do Bispo, o Trapiche da Banca, o Trapiche 11 de Junho, o Trapiche da Alfândega, o Trapiche do Sal e o o Trapiche da Estrada de Ferro. Os trapiches, de construção trabalhosa e frequentemente desmanchados pelas marés, eram um atraso e um freio para o crescimento tanto de Santos quanto de toda a Província de São Paulo.

O Governo Imperial oferece vantagens e abre concorrência aos interessados em construir um porto organizado no Valongo, em área cedida pelo governo. Os primeiros interessados nada fazem - as condições de trabalho na região insalubre do mangue fazem da construção uma empreitada difícil e um negócio arriscado. A concessão é dada sem concorrência a Francisco Aguiar Pertence e ao Conde da Estrela que prorrogam por duas vezes o início da obra até que a concessão é declarada caduca em 1879.

Enquanto o porto não se modernizava, mais trapiches eram construídos.
Era comum a construção de trapiches nos fundos dos estabelecimentos
comerciais, como o Trapiche Brasil acima (foto Setur).
O Governo Imperial contrata o inglês Milnor Roberts e o engenheiro brasileiro Domingos Sérgio Sabóia e Silva para assessorá-lo num estudo para a construção do porto, estudo que deveria considerar aterro suficiente para resolver as condições sanitárias da Vila e que deveria ser direcionado a empresas particulares. Sobre tal estudo é aberta nova concorrência e novos interessados surgem, mas o governo da Província intervém e pede que lhe seja confiada a construção. Assim, a concorrência é anulada e a concessão dada ao governo de São Paulo, em 1882. E, como da vez anterior, as prorrogações para o início da obra se sucedem até que a concessão é cancelada em 1886.

O engenheiro Sabóia e Silva apresenta novos estudos e projeto para uma nova concorrência pública, para a qual se apresentam seis concorrentes. Depois de dois anos de polêmicas e novos estudos, o contrato é fechado com um grupo de empresários brasileiros: José Pinto de Oliveira, Cândido Gafrée, Eduardo P. Guinle, João Gomes de Avellar, Dr. Alfredo Camilo Valderato, Benedito Antonio da Silva e Ribeiro, Barros & Braga. O contrato previa a construção de 846 metros de cais a partir do Valongo, agendava o início das obras para dali a seis meses e concedia o prazo de 39 anos para a exploração do porto.

A Banca do Peixe, que ficava na altura da atual Frei Gaspar,
e o mercado de canoas por volta de 1885 (tela de B. Calixto)
 
1892-1930 - O primeiro porto organizado do Brasil

A construção do cais era um verdadeiro desafio: o terreno onde se faria a fundação para a murada era de lodo puro em grande profundidade, as condições sanitárias da cidade eram péssimas e, por ser a primeira obra do gênero em todo o país, faltava pessoal técnico e operários especializados e seria preciso importar equipamentos.

O grupo contratado para fazer frente ao empreendimento organiza a firma Gaffrée, Guinle & Cia em 1888, com capital próprio, saindo Ribeiro, Barros & Braga, e entrando Francisco Justiniano de Castro Rabello e Hypolito Veloso Pederneiras. Assim como a empresa e o capital, também a engenharia era brasileira, chefiada, desde o início e por muitos anos, pelo Eng. Guilherme Benjamin Weinschenck.

As obras são iniciadas conforme o prazo do contrato. Dragagens e aterros são executados, e os trabalhos seguem o cronograma, de modo que o Governo Imperial, satisfeito com o andamento, dilata o prazo de exploração de 39 para 90 anos, o mesmo que concedera às frustradas concessões anteriores. Em 1890 a Gafrée & Guinle sofre nova alteração, com saída de sócios e aumento de capital, passando a chamar-se Empresa de Melhoramentos do Porto de Santos. Em 1892 ela seria transformada em sociedade anônima com o nome de Cia Docas de Santos, sob a direção de Gafrée e Guinle.

A construção do primeiro trecho de cais, em 1891 (foto Setur).
Apesar de todas as dificuldades, em 1892 estavam prontos os primeiros 260 metros de cais, inaugurados com a atracação do navio inglês Nasmith, a 2 de fevereiro de 1892. O porto contava com linha férrea e armazéns. O fato foi comentado em todo o país - o modesto ancoradouro se tornava o primeiro porto organizado do Brasil. No ano seguinte, é construído o restante dos 846 metros de cais contratado inicialmente e, nesse mesmo ano, os trilhos da Cia Docas são ligados aos da São Paulo Railway.

A necessidade de ampliação é logo reconhecida e no mesmo ano o paulista Francisco Glicério autoriza a construção de mais 884 metros de cais, que estenderia as docas até o Paquetá. A população sente os benefícios do saneamento que a obra do cais deixou na região do Valongo e assim, a Câmara Municipal solicita ao governo que a nova ampliação alcance o Outeirinhos, afim de eliminar os lodaçais que ameaçavam a saúde pública. Dessa forma, são autorizados mais 2.848 metros de cais.

O Porto na área do Paquetá em 1892, com canoas atracadas em frente ao
Mercado das Casinhas. Quando a ampliação do cais chega na região, a Cia Docas constrói a Bacia do Mercado para a instalação desse comércio (img. M.Serrat)
Os trapiches continuaram por alguns anos, coexistindo com o novo cais, mas íam sendo desmanchados à medida em que as muradas da Cia Docas avançavam. Houve até a resistência de alguns trapicheiros, como eram chamados os exploradores dos trapiches, e alguns deles até abriram processo contra a Cia Docas requerendo indenização pelas perdas. Também houve outras questões judiciais a que a Cia Docas teve de responder, envolvendo a posse e pedidos de indenização por terrenos na região do Outeririnhos. Todas essas questões foram indeferidas e apenas atrasaram o andamento das obras.

Mas nenhum embaraço poderia deter o progresso do porto, agora inevitável. Em 1909 a Cia Docas já tinha construído 4.720 metros de cais, 26 armazéns internos e 15 externos, 1 armazém frigorífico, 23 pátios cobertos, 2 tanques de óleo combustível, 38.300 m de linha férrea, canalizara 5 ribeirões a coberto, construíra a Bacia do Mercado e saneara a região da cidade que margeava o estuário em toda a extensão de seu cais.

O porto organizado, por volta de 1900: aumento das exportações
e desenvolvimento para o estado (imagem Poliantéia Santista).
Em 1910, com o início da primeira guerra mundial, há um decréscimo na movimentação de cargas e as obras de ampliação param. Esse período de quase depressão é agravado com a grande geada de 1918 que abalou a safra do café. Entretanto, a disparada nos preços do café que se seguiu e o consequente enriquecimento criaram um clima de quase euforia e as importações aumentaram consideravelmente na década de 20.

O equilíbrio da balança comercial não se modificaria ainda, já que o mundo entrava na grande depressão de 1929. No porto, a única obra representativa nesse período foi a construção, na Ilha Barnabé, de um cais para a movimentação de inflamáveis e combustíveis e a posterior instalação de grandes tanques para depósito, isolando a cidade do perigo de um possível incêndio. O terminal da ilha Barnabé propicia a movimentação sempre crescente dos produtos de petróleo durante o decorrer da década de 30, garantindo o equilíbrio financeiro do porto mesmo quando o setor cafeeiro, antes responsável por 90% do movimento, entra na grande crise gerada pela superprodução.

A primeira sede da Cia Docas em pleno cais, cerca de 1910. À sua frente, a barcaça da Cia Santense, que fazia a ligação entre Santos e Bertioga (img. Poliantéia).
1944 - Novo impulso de desenvolvimento

Em 1945, terminada a segunda guerra mundial, o porto de Santos mantinha o mesmo cais que, somado ao da Ilha Barnabé, totalizava 5.214 metros. Não cresceu em extensão de cais, mas melhorou a infra-estrutura e alargou as faixas de cais. O porto possuía silos para granéis, esteiras transportadoras, seis empilhadeiras fixas, 128 guindastes, tanques de combustíveis líquidos e seis embarcadores com capacidade para 2.000 sacas/hora, além de rebocadores, dragas, ferry-boats, lanchas, tratores, vagões e locomotivas.

A Cia Docas sempre realizou as obras e melhoramentos do porto com seus próprios recursos, captados através da subscrição de ações, mas o período do pós-guerra traz consigo a inflação e deixa de ser rentável o investimento em ações privadas à taxas de 10% ao ano, índice muito inferior ao da desvalorização da moeda. Entretanto, diante da real necessidade de ampliação do porto, o governo federal institui uma taxa, mais tarde transformada na Taxa de Melhoramento dos Portos, criando também o Fundo Portuário Nacional.
A Cia Docas então, com seus recursos próprios reforçados pelos do governo federal, pode executar as obras já tão necessárias: são construídos mais 1.045 metros de cais (aumentando a extensão total para 6.259 metros) e o porto é reaparelhado. As novas obras incrementam o movimento de cargas e em 1954 o porto movimenta cerca de 8 milhões de toneladas, o dobro do ano de 1944.


O cais no trecho Valongo-Paquetá, por volta de 1915 (foto Setur).

A partir de 1955, há um aumento considerável na movimentação de cargas. Muitos fatores contribuem para isso, como a diversificação econômica e o aumento geral da malha rodoviária no estado, mas os dois setores que mais concorreram para esse incremento foram os setores industrial e petrolífero. O aparecimento das refinarias de Cubatão e Capuava faz com que a participação dos granéis líquidos no movimento geral do porto se eleve gradativamente de 24% em 1950 para quase 61% em 1963. A instalação do setor automobilístico na região do ABC a partir de 1957 e a industrialização produzem um aumento nas importações de equipamentos e insumos.

Em 1968, a extensão de cais soma 7.034 metros, os armazéns são ampliados em capacidade, os tanques combustíveis passam de 24 para 91, triplicando a capacidade de armazenagem. Além disso, as poucas empilhadeiras fixas são substituídas por 270 empilhadeiras automotivas, o número de vagões sobe de 180 para mais de 400 e os guindastes hidráulicos são substituídos por elétricos.

No entanto, desde o início da década, o porto vinha sofrendo sérios problemas de congestionamento, ora pelo tráfego excessivo, ora por greves promovidas entre os trabalhadores portuários. Assim, em 1969 é criada a COSEPS (Comissão Orientadora de Serviços Portuários de Santos), com o objetivo de reduzir o custo operacional e resolver os problemas de congestionamento.

A COSEPS constrói 3.812 metros de cais e novos armazéns e pátios, desenvolve programas de dragagem do canal, promove o reaparelhamento, elimina sobretaxas e aumenta a produtividade, reduzindo o custo operacional. Também cria o Programa dos Corredores de Exportação e toma medidas emergenciais para atender a movimentação de contêineres, que já aumentava sensivelmente.

Ainda em 1968, a Cosipa constrói seu próprio terminal em área arrendada e o porto de Santos passa, na década de 70, por mais uma profunda transformação. Seguindo o exemplo da Cosipa, também a Ultrafértil e Dow Química inauguram terminais privativos em 1971.

Em 1980 termina o prazo de 90 anos da concessão imperial dada à CDS (Cia Docas de Santos). Ao deixar a frente do porto de Santos, a CDS havia movimentado quase 400 milhões de toneladas de cargas em sua história e entregava à sucessora um complexo portuário totalmente aparelhado, com 11.837 metros de cais, ferrovia, usina elétrica própria (Itatinga), 53 armazéns, 96 tanques de combustíveis e químicos, vários pátios e instalações especializadas, sistema de telecomunicações, microfilmagem, processamento de dados e 13.357 funcionários.

A Ilha Barnabé, em foto da década de 90 - terminal isolado para granéis
líquidos perigosos, como combustíveis e produtos químicos (foto Codesp).
O controle do porto passa à CODESP (Cia Docas do Estado de São Paulo), sociedade de economia mista com o controle acionário da União, e ocorrem naturais mudanças na administração, como a criação do Conselho Especial de Usuários e do Conselho de Administração do Porto.

Em 1981 é inaugurado o TECON I, o maior terminal de contêineres do país, na margem esquerda do porto (Guarujá), cuja construção se iniciara em 1977 pela Portobrás.

O incremento da movimentação portuária de cargas através de contêineres faz surgir os terminais retroportuários com seus enormes portêineres (guindastes para contêiner) e veículos específicos para a sua movimentação e transporte, além de enormes pilhas de contêineres que, ocupando todo pátio ou terreno vazio no porto e seu entorno, mudam radicalmente a paisagem portuária.

Em 1993 é sancionada a Lei de Modernização Portuária, que regulamenta a privatização dos serviços portuários. A Lei permitiu a entrada do capital privado, novos investimentos e a modernização. Assim surgiu o Terminal 37, da Libra, o Terminal da Santos-Brasil e outros terminais privativos. E novas áreas de arrendamento se encontram em processo de licitação.
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O plano inicial de implantação do porto

Elaborado pela Cia Docas de Santos, o plano de desenvolvimento do Porto de Santos, uma espécie de plano diretor, tinha por objetivo organizar o crescimento do cais santista nas duas margens do estuário.

Segundo o projeto, o trecho de cais Valongo-Paquetá seria suplantado e aterrado, dando origem a novos armazéns. O cais próximo ao Saboó seria destinado à carga e descarga de carvão, sal e mercadorias a granel. No cais do Valongo haveria um grande pátio para acolher os vagões destinados às ferrovias brasileiras. O Cais de Outerinhos (trecho de cais Paquetá-Macuco), seria destinado às cargas pesadas. No cais do Macuco estava prevista a construção do armazém frigorífico e silos, que foram feitos.

O projeto da Cia Docas: as 3 áreas mais claras na Ilha Barnabé
e em Vicente de Carvalho não chegaram a ser construídas.
O que mais impressiona no projeto original é o tamanho e a área do cais na Ilha de Santo Amaro. Conforme podemos observar no mapa acima, uma grande ponte rodoferroviária ligaria o Saboó à Ilha Barnabé dando acesso à grande área portuária que se instalaria no Município do Guarujá. Um trecho de cais contínuo estava previsto, a partir da Base Aérea de Santos até as imediações da área onde encontra-se hoje o Terminal de Contêineres. Neste local, uma grande área seria dragada dando origem a enormes piers que abrigariam dezenas de armazéns e berços de atracação, seguindo os moldes dos grandes portos europeus, que evitam utilizar os cais contínuos. O rápido crescimento populacional de Itapema (hoje Vicente de Carvalho) e outros fatores contribuíram para que o projeto original não fosse seguido.
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