A história do cinema em Santos
Primeiro Cynamatographo - Revolução no entretenimento
Em 1909, a família Pinfildi inaugurava o primeiro "cynematographo" da cidade - o Cine Moderno, na Rua XV de Novembro. A abertura da casa veio a revolucionar o mercado de entretenimento da cidade, que na época restringia-se a esporádicas peças de teatro apresentadas no Theatro Guarany e no Theatro Rink. Na área do lazer, a rotina da cidade passou a ser então, ir para o antigo Largo do Rosário, hoje Praça Rui Barbosa, espécie de "ponto de encontro" da época, e depois seguir para as famosas sessões do Cine Moderno, que mostravam filmes italianos da Cine di Roma e da Ambrosio de Turin, franceses da Pathé Freré e da Eclair, ambas de Paris, dinamarqueses da Nordisk e americanos da Vitagraph, Biograph e Selig. Os filmes eram mudos, acompanhados por uma pequena orquestra, e sempre divididos em duas partes. Seguindo o sucesso do Cine Moderno, foram inaugurados anos mais tarde na mesma rua, o Cine Bijou e o Cine Pathé, este último o primeiro a exibir filmes "impróprios" na cidade. Em 1914 a Rua XV de Novembro, abrigando os três cynematographos da cidade, transformou-se na rua mais movimentada de Santos, centro de entretenimento e lazer.

A Rua XV de Novembro por volta de 1910 abrigava
os três primeiros cinemas de Santos (foto Setur).
A 1ª Grande Guerra afeta o Cinema Europeu
Com a chegada da Primeira Grande Guerra na Europa, os filmes europeus desapareceram e com eles grandes artistas do cinema mudo como Lida Borelli, Francesca Bertini, Pina Minichelli e Adriana Costamagna. Em Santos, novas salas eram inauguradas e a demanda de público era crescente. Com a interrupção temporária da produção de filmes europeus, as salas da cidade passaram a exibir somente filmes americanos. Mesmo com a economia nacional afetada, no Brasil todo as salas de cinema se multiplicavam, assim como em outros países. Foi nessa época que surgiram os grandes estúdios americanos e o cinema ganhou uma nova dimensão comercial.

A influência do cinema americano na cidade
Com a guerra os americanos investem pesado no mercado do país, orientando os proprietários a remodelarem suas salas de exibição. Os cinemas ganham novas dimensões, poltronas fixas e estofadas e uma área maior para a orquestra. Os filmes americanos passam a ser exibidos com exclusividade e lança-se no país as bases da propaganda cinematográfica racionalizada.

O Polytheama Rio Branco, ao lado da Igreja do Rosário, foi um cinema
de grande projeção em sua época, por volta de 1915 (img. M.Serrat).
Cidade ganha quatro novas salas durante a guerra
De 1916 a 1923 a cidade ganhou seis novas salas. No final da Guerra, o Comendador Manoel Fins Freixo e Mauro Russo inauguram o Polytheama Rio Branco, de grande projeção na época, no antigo Largo do Rosário, atual Praça Rui Barbosa. Pouco depois, Mauro Russo sai da sociedade e a empresa passa a chamar-se M. Freixo & Cia Ltda, que logo constrói outro cinema. Em 1918 era inaugurado o Cine Central, na Rua Amador Bueno, e uma pequena reforma adaptou o Theatro Guarany para uma sala de exibição que, por seu tradicional luxo e conforto, veio a tornar-se a principal da cidade. Assim também o Theatro Carlos Gomes, de propriedade de Marcolino de Andrade, passa por reformas e reabre em 1918 adaptado para o cinema, na Avenida Ana Costa (Vila Mathias). Anos mais tarde é construído o Cine Parisiense, que nos anos 20 passa ao controle de Octávio Januzzi, e Marcolino de Andrade abre sua segunda sala, o Cine Selecto, ambos na Rua Amador Bueno.

O Cine Carlos Gomes, construído pela Empresa Santista
de Cinemas na Av. Anna Costa e inaugurado em 1918.
Miramar, um grande centro de entretenimento
Na Santos dos anos 20 surge o Miramar, primeiro grande centro de entretenimento da cidade, localizado na esquina da Av. Conselheiro Nébias com a praia, ocupando terreno de 1.800 m² que ía da Av. Bartolomeu de Gusmão até a Epitácio Pessoa. De propriedade do Major Jonacópulos, o Miramar tinha duas salas de cinema, um deles ao ar livre, danças e patinação. Em 1924 ele é comprado pela firma V. Fernandes & Cia, que introduz teatro, bilhares e cassino e o Miramar torna-se o centro das atenções da sociedade santista durante muitos anos.

O Miramar, no Boqueirão dos anos 20 - o maior centro de entretenimento
da cidade reinou absoluto durante muitos anos (foto M.Serrat).
A chegada do cinema falado
Em 1926 é exibido em Santos o primeiro filme falado. No princípio não agradou ao público em geral, pois os filmes americanos eram falados em inglês, com legendas em português, contra os filmes mudos com legendas em português. Além disso, o sistema de som era deficiente se comparado com as orquestras ao vivo. Com o cinema falado, vieram também os protestos dos músicos, que agora tinham seus empregos ameaçados.

A Metro Goldwyn Meyer entra no mercado
No começo da década de 20, o mercado de filmes em Santos era dominado pela empresa M. Freixo & Cia. Marcolino de Andrade vendera o Cine Selecto para o concorrente forte, ficando apenas com o Carlos Gomes. Em 1924 Manoel Fins Freixo inaugura o Theatro Colyseu, logo depois utilizado também como cinema. Mas o mega investimento para a grande reforma do Colyseu deixa a empresa sem fôlego financeiro e esta se vê obrigada a arrendar, como garantia de crédito, a firma e todos os seus cinemas à Metro Goldwyn Meyer, de quem era grande devedora. A produtora e distribuidora americana domina o mercado santista até o ano de 1933, quando Manoel Freixo retoma a direção de seus negócios.

O cinema aberto do Jockey
Em fins da década de 20, o Jockey Club de Santos instala um amplo cinema ao ar livre no quintal dos fundos de sua sede social, situada na Av. Presidente Wilson, esquina com a Rua Marcílio Dias. Esse cinema funcionava aos fins de semana e, anos depois, com a venda do imóvel para o Clube XV, este manteve o cinema funcionando para seus associados durante muitos anos.

Aspecto do antigo Cine Theatro Casino, na década de 30.
A estrutura do teto podia ser aberta durante a noite.
Fundada a Empresa Santista de Cinemas
No início dos anos 30 é constituída a Empresa Santista de Cinema com o Cine Teatro Cassino, construído por Domingos Fernandes Alonso no corpo do Atlântico Hotel, de sua propriedade. O Cine Teatro Cassino, extremamente arrojado para a época, possuía um telhado em três camadas que corriam um sobre a outra, de modo que o teto podia permanecer aberto nas noites estreladas de calor.
A Empresa Santista de Cinemas foi uma iniciativa de José B. de Andrade, que fora secretário da Metro durante o arrendamento da M. Freixo & Cia, e faziam parte de sua rede de cinemas, além do Cine Teatro Cassino, o Cine Parisiense, o antigo Theatro Carlos Gomes na Rua Lucas Fortunato, o Cine Paramount na Praça Rui Barbosa e o Cine São Bento no Valongo. Posteriormente, ao longo da década de 30, a empresa constrói, no mesmo local do primeiro Miramar, o Cine Miramar (que mais tarde daria lugar ao Cine Caiçara), um novo Cine Carlos Gomes no lugar do antigo Theatro Carlos Gomes, na Rua Lucas Fortunato, e o Cine São José na Rua Campos Mello, no Macuco.
Por sua vez, a M. Freixo & Cia constrói, quase junto ao Cine São José do concorrente, o Cine D. Pedro II.

O Cine-Theatro D. Pedro II, da M. Freixo & Cia, concorria no
Macuco com o São José, da Empresa Santista de Cinemas.
Nova fase do cinema com a supersala
No início da década de 30, Santos era a cidade que tinha o maior número de salas por habitante do país. Este fato atraiu novos investimentos ao setor. Antônio de Campos Júnior, que já fora procurador da Associação dos Exibidores de São Paulo, recém-chegado a Santos, investe pesado em um primeiro empreendimento a ser erguido na Av. Ana Costa. Muitos diziam que seu novo cinema não seria uma ameaça às salas de exibição já instaladas na cidade, pois o ponto em que estava sendo construído não era apropriado. Assim, em 1934, com a apresentação do filme "Cântico dos Cânticos", dos Estúdios Paramount, era inaugurado em meio a muita pompa o Cine Roxy, considerado uma supersala de cinema, dotado de toda a infraestrutura das grandes salas americanas, inclusive ar condicionado. O sucesso do cine Roxy animou seu proprietário e ele abre em 1935 outra grande sala, o Cine Paratodos, na Vila Mathias, na esquina da Ana Costa com Rua Lucas Fortunato, com o filme "Ahi Vem a Marinha", da Warner, destinado ao público popular. No mesmo ano inaugura também o Cine Astor, na Av. Conselheiro Nébias com a Rua 7 de Setembro, com o filme "Broadway Bill", da Columbia Pictures.

O cine Roxy, uma supersala de cinema, a primeira com ar
condicionado, tal como era na sua inauguração, em 1934.
Anos 40 e 50 trazem a modernização
A partir da década de 40, a rede cinematográfica de Santos ganha novas salas de projeção dotadas de todos os requisitos modernos, como som estereofônico, telas panorâmicas e ar condicionado. O conforto aumenta com as poltronas estofadas e os carpetes, à vezes apresentando requintes de luxo, como salas de espera luxuosas introduzidas para a apresentação de sessões corridas, com dois ou três horários durante a semana e quatro ou mais sessões aos domingos. Na década de 50 o Cine Roxy lança a sessão "baby", com programação voltada para as crianças, que acontecia às 10h das manhãs de domingo e que era um grande sucesso de público.
Nessa época surgem o Cine Atlântico na Praça Independência e, na Av. Ana Costa são construídos o Cine Praia Palace, o Cine Indaiá e o Cine Iporanga, este último da M. Freixo & Cia, com o objetivo de atrair o público classe A que ela perdera com a decadência do Colyseu. O Cine Iporanga, por sua beleza, conforto, amplitude e modernidade, passou a ser o principal cinema da cidade.

A época áurea dos cinemas
A cinematografia santista atinge a sua época áurea em meados da década de 50 e novos cinemas são construídos. A Freixo Empresa Teatral Ltda lança o Cine Campo Grande na Rua Carvalho de Mendonça 395, e Marcelino Dias de Carvalho constrói o Teatro Independência, na Av. Ana Costa 544, que viria a funcionar mais como cinema. Também são inaugurados o Cine Macuco e o Cine Gonzaga, de propriedade de Giusfredo Santini, Athiê Jorge Coury e Elias Nejn, sendo que o Gonzaga é parcialmente instalado nas dependências do Cassino Atlântico, que encerrara as suas atividades em 1954. Em 1956 também surge o Cine-Teatro Júlio Dantas, instalado no teatro do Centro Português e controlado pela Empresa Santista de Cinemas e Empresa Cinematográfica Haway.

O auge e o recorde em número de salas
As três grandes empresas de cinema de Santos - a Freixo, a Roxy e a José B. de Andrade, - disputavam o público, não só melhorando seus cinemas, mas também construindo-os próximos, para que a empresa concorrente não dominasse sozinha uma determinada área da cidade. A disputa se estendia também na exibição de superproduções e dos "campeões de bilheteria".
Assim, na década de 60, a relação dos cinemas de bairro aumenta ainda mais, quando são lançados os Cines Popular (Av. Rodrigues Alves), Ouro Verde (antigo Cine Campo Grande), Itajubá (no local onde funcionara o antigo Hotel Internacional no José Menino), Marapé (Av. Pinheiro Machado), Glória (Av. Vicente de Carvalho), Avenida (Av. Bernardino de Campos), Cacique, Santo Antonio (Ponta da Praia) e Brasília (Av. Pedro Lessa), este último com enorme tela em cinerama, própria para exibir superproduções como "A Bíblia". O Gonzaga também ganha mais uma sala, o Cine Indaiá, inaugurado com o épico "Os 10 Mandamentos", de Cecil B. De Mille.
Continuavam em funcionamento o Astor, na Vila Nova, os Cines Paramount, Guarany, Coliseu e Júlio Dantas, no Centro, o Caiçara, no Paquetá, o Carlos Gomes e o Bandeirantes, na Vila Mathias, os Cines São José, Macuco e D. Pedro II, no Macuco, o Caiçara (ex Miramar), no Boqueirão, e os Cines Roxy, Atlântico, Iporanga e Independência, no bairro do Gonzaga.

O Atlântico abriu nos anos 50, na Pr. Independência. Foi demolido
nos anos 70 para dar lugar à Galeria 5ª Avenida (foto FundaSantos)
1970 - o início de decadência
A especulação imobiliária dos anos 60, o inchaço urbano e a poluição das praias transformam a cidade. Muitos marcos arquitetônicos são demolidos, entre eles o Parque Balneário Hotel. Com a recessão, os cinemas já não atraem tanto público, o lucro das salas diminui e a era cinematógrafa de Santos entra em um período de decadência, com o fechamento de sete salas.
Mesmo assim, mais dois novos cinemas são inaugurados: O Cine Alhambra, instalado no antigo auditório da Rádio Clube, no Gonzaga, e o Cine Fugitivo, direcionado à exibição de filmes eróticos, na zona portuária do Centro. Além disso, o Cine Gonzaga é reformado e transformado em duas salas menores: os Cines Studio-Atlântico I e II.

Final trágico da Era Cynematográphica
A penetração da televisão agrava a crise dos cinemas e as empresas de cinema de Santos se unem para programar o fechamento de suas unidades deficitárias - todos os cinemas de bairro são eliminados e mais de 13 salas são desativadas em meados de 1970, além das 7 que haviam sido fechadas anteriormente - um total de 20 cinemas fechados em curtíssimo espaço de tempo.
O Atlântico é demolido para dar lugar à Galeria 5ª Avenida. O Caiçara passa oito anos abandonado antes de ser finalmente demolido. Um grande incêndio transforma o Guarany em ruínas. O Carlos Gomes torna-se sede do Sindicato dos Metalúrgicos. O Cine São José, passa a abrigar uma oficina, embora na fachada ainda se leia o nome do cinema. Em países que prezam a história e cultura, antigas salas são preservadas, mas não foi o que aconteceu aqui.
No início dos anos 80 Santos possuía apenas os Cines Roxy, Iporanga, Alhambra, Independência, Glória, Caiçara, Praia Palace, Coliseu e Júlio Dantas, estes dois últimos exibindo filmes pornográficos apenas para não fechar definitivamente as portas. Desses cinemas, logo seriam fechados o Caiçara, os Cines Studio-Atlântico I e II (em seu lugar temos hoje as Lojas Americanas) e o Independência, para dar lugar a uma discoteca (atualmente um bingo).
Nos anos 90, ainda existiam, concentrados no Gonzaga, o Roxy, o Iporanga, o Indaiá e o Alhambra. O Praia Palace resistiu por mais alguns anos exibindo pornografia, em completa decadência, até ser transformado em um bingo.

A invasão das mini-salas
Em fins da década de 80, as mini-salas de exibição entram em moda, talvez como consequência do boom dos vídeo-cassetes. Com menos poltronas e uma tela menor, elas abrigam poucos espectadores, remetendo quase a uma sessão de cinema em casa. Seguindo essa tendência, o Cine Indaiá passa por reformas e é dividido em duas salas, uma delas bem menor, onde era o antigo "pullmann". Quase em seguida, o Cine Iporanga é dividido em três salas de exibição, duas delas bem pequenas, a exemplo das mini-salas que começam a pipocar nos shopping centers de São Paulo. No final dos anos 90, a rede americana Cinemark começa a invadir a Baixada Santista, com suas salas pequenas e acarpetadas, de disposição, decoração e cores padronizadas, onde até a pipoca e o refrigerante são exclusivos.

Os cinemas na Santos de hoje
Em 2002 restava apenas um grande cinema na cidade: o Cine Roxy. Poucas cidades no Brasil podiam contar com uma sala de projeção desse calibre nessa década - ele poderia ter sido reformado para abrigar mostras ou festivais de cinema, alavancando empregos e fomentando o turismo na cidade. No entanto, seguindo o modismo de nossa época, em fevereiro de 2003 o Cine Roxy exibiu a sua última sessão e foi fechado para ser transformado em 4 pequenas salas - de certa forma inovando, como sempre, por ser o único nesse sistema a ter entrada diretamente da rua, ao contrário dos concorrentes, sempre localizados dentro de shopping centers.
Haverá sempre alguém saudoso dos tempos em que ir ao cinema era programa obrigatório aos domingos, dos grandes e charmosos cinemas, onde a luz demorava a se apagar e se podia apreciar a decoração ou dar uma olhadinha de viés para ver quem se sentava perto, ou ainda namorar gostoso quando as luzes se apagavam... Uma coisa é certa, o cinema - suas salas de exibição e a própria indústria - pode assumir outras formas e se pintar de novas cores mas, para nossa alegria, jamais morrerá.
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