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Gente que
fez história |
Plínio
Marcos
1935 - 1999 |
Nasceu em Santos, a 29 de setembro de 1935. Filho de família
modesta, não gostava de estudar e terminou apenas o curso
primário. Foi funileiro, sonhou ser jogador de futebol,
serviu na Aeronáutica e chegou a jogar na Portuguesa
Santista, mas foram as incursões ao mundo do circo, desde
os 16 anos, que definiram seus caminhos. Aos 19 anos, fazia
o palhaço Frajola e pequenos papéis como ator
em diversas companhias circenses e do teatro de variedades.
Também atuou em rádio e na televisão local,
em Santos.
No circo aprendeu o tarô, a poesia dos contos populares
e o jogo cenográfico da magia com a pobreza. O contato
com o teatro aconteceu por acaso, quado teve de substituir um
ator doente na peça Pluft, Um Fantasminha, de
Maria Clara Machado.
Em 1958, conhece a jornalista e escritora modernista Patrícia
Galvão, a Pagu. Ela e seu marido Geraldo Ferraz, também
jornalista e escritor, abriram os horizontes intelectuais dos
jovens atores do movimento de teatro amador de Santos, inclusive
Plínio, apresentando-lhes textos de dramaturgia moderna.
Ao ler seu primeiro texto, Pagu o comparou a Nelson Rodrigues,
figura que Plínio sequer conhecia. |
O jovem Plínio Marcos,
já envolvido com o teatro. |
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Plínio estreou como dramaturgo aos 22 anos, com
a peça Barrela (1958), inspirada na história
real de um garoto que era seu vizinho, em Santos. Estuprado
na cadeia, o menino matou, tempos depois, todos aqueles
que o sodomizaram. A peça estreou no Centro Português
com atores que ganhariam fama: Milton Gonçalves,
Joel Barcelos e Fábio Sabag. Foi apresentada no
II Festival Nacional de Teatro de Estudantes, evento organizado
por Paschoal Carlos Magno. Barrela provocou polêmica
e escândalo e foi vetada pela censura. E, por sua
linguagem, permaneceria proibida durante 21 anos.
Em 1960, 25 anos, Plínio está em São
Paulo, primeiro trabalhando como camelô, e logo
depois no |
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teatro, como ator, administrador e faz-tudo em grupos como
o Arena, a companhia de Cacilda Becker, e o teatro de Nídia
Lycia. A partir de 1963, produz textos para a TV de Vanguarda,
programa da TV Tupi, na qual também atua como técnico.
No ano do golpe militar, ele faz o roteiro do show Nossa
gente, nossa música. Em 1965, consegue encenar Reportagem
de um Tempo Mau, colagem de textos de vários autores,
que fica apenas um dia em cartaz.
A censura a Barrela foi apenas a primeira de uma série
de proibições. Sob o signo da censura, Plínio
vive até os anos 80 sem fazer concessões, sendo
intensamente produtivo e sempre norteado pela cultura popular.
Quando a censura impedia a divulgação de seu trabalho,
ele ganhava a vida vendendo seus livros na rua. Mas as peças
que eram censuradas no Brasil faziam sucesso em Nova York, Paris
e Buenos Aires.
Depois de Barrela vem uma seqüência de textos
que se chocam com o período obscuro dos anos 60: Dois
Perdidos Numa Noite Suja (1966), que tornaria o autor conhecido
e respeitado nacionalmente, Navalha na Carne (1967) e
O Abajur Lilás (1969) são sistematicamente
perseguidas. Plínio luta pela expressão com peças
musicais como Balbina de Iansã (1970) e Noel
Rosa, o Poeta da Vila e Seus Amores (1977). Também
são dessa fase Quando as Máquinas Param
(1971), Homens de Papel e Jornada de Um Imbecil Até
o Entendimento. |
Ele escreve nos jornais Última Hora, Diário
da Noite, Guaru News, Folha de S. Paulo
e Folha da Tarde, na revista Veja, e colabora
em diversas publicações, como Opinião,
Pasquim, Versus, Placa e outras.
Publica suas peças em forma de livro, - Histórias
das Quebradas do Mundaréu (1973) - e o romance
Querô, Uma Reportagem Maldita (1976), depois
adaptado para o teatro. O argumento original de seu A
Rainha Diaba (1974) chega às telas do cinema.
Ele traz para o palco a linguagem crua e palpitante da
marginalidade, da miséria, da prostituição,
arrancando da escória traços de humanidade,
fundindo denúncia e utopia. Plínio nunca
se adequou ao status quo e a sua conduta, aliada
à visão crítica da realidade, acabaram
resultando no epíteto "marginal". Mas
marginal ele nunca foi, ao contrário, esteve sempre
mergulhado na realidade, mesmo que ela não tivesse
uma cara bonita. |
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Com a abertura política, as mudanças trazem
uma nova fisionomia para o teatro brasileiro. As peças
de Plínio também dão uma guinada, mas ele
volta a impressionar com o romance Na Barra do Catimbó
(1984), e a peça Madame Blavatsky (1985). O tarô
que aprendera no circo, assume outro peso na vida de um Plínio,
que se volta para as questões místicas e religiosas.
É a época de Jesus Homem, Balada de
Um Palhaço e A Mancha Roxa. |
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Paralelamente, atua como palestrante em várias
cidades do país: ele chega a fazer 150 palestras-shows
por ano, vestido de negro e carregando um bastão
encimado por uma cruz e a aura mística de leitor
de tarô - espécie de nova "personagem
de si mesmo", como fora antes a imagem do palhaço.
Ele também produz textos de teatro infantil e a
noveleta e depois peça O Assassinato do Anão
do Caralho Grande (1995). Na prosa, mais um livro
- Prisioneiro de Uma Canção.
Plínio Marcos dizia que escrevia quando estava
incomodado com alguma coisa mas, na verdade, ele incomodou
muita gente com seus |
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textos. Ele soube traduzir com sinceridade e beleza as falas
dos que ficaram à margem da sociedade. Traduzido, publicado
e encenado nas línguas francesa, espanhola, inglesa e
alemã, estudado em teses de sociolingüística,
semiologia, psicologia da religião, dramaturgia e filosofia
em universidades do Brasil e do exterior, Plínio Marcos
recebeu os principais prêmios nacionais em todas as atividades
que abraçou, seja no Teatro, Cinema, Televisão
e Literatura, como ator, diretor, escritor e dramaturgo. Com
sua morte, o teatro brasileiro contemporâneo perdeu um
de seus nomes mais importantes e cresceram as homenagens a sua
pessoa e o interesse em torno de sua obra. Seus trabalhos vem
ganhando novas montagens e filmagens e seus textos tem alcançado
parcerias musicais com alguns dos mais importantes nomes do
samba paulista. Ao mesmo tempo, seu nome foi adotado para batizar
prêmios e espaços culturais pelo país afora
- inclusive o Teatro Nacional Plínio Marcos, em Brasília.
Faleceu em São Paulo, aos 64 anos, no dia 19 de novembro
de 1999, de falência múltipla dos órgãos.
Deixou inacabadas a peça infantil Seja Você
Mesmo e O Bote da Loba. |
Plínio mostra o chaveiro do Jabaquara
Atlético Clube,
do qual era um dos mais fiéis torcedores. |
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Testemunhos |
Plínio
Marcos e a marca gloriosa do Macuco
por Narciso de Andrade
Era muito moço quando o conheci no meio daquele povo
meio alucinado do Bar Regina, que ficava ali no Gonzaga, de
onde partiam os bondes para qualquer ponto da cidade.
A turma era fogo, toda espécie de artista, pintor, músico,
poeta, escritor, a gente linda e espalhafatosa do teatro, esse
pessoal desajustado que se reunia para curtir o grande lance
da noite e da madrugada. Que a coisa ia até altas horas,
com o papo transitando entre os temas de arte e cultura com
o molho ardido das teses políticas. Futebol ao de leve.
Não parecia, mas era tudo gente séria, compenetrada
de seu dever com o instante e o futuro. Não imaginávamos
que ia dar no que deu.
Foi nesse meio que ele surgiu, atrevido e desafiador, com sua
voz circense em timbre agudo exigindo a atenção
da audiência. E logo se instalou na bancada destacada
daquele cenáculo, com perdão da má palavra.
- Quem é ele? perguntava alguém.
- Um tal de Plínio Marcos.
- O que ele faz?
- Dizem que é palhaço de circo.
- Quem descobriu a fera?
- Patrícia Galvão.
A esta altura o Plínio já tomava conta do pedaço,
grande contador de histórias que sempre foi. Simpatizei
com ele de cara, não se escondia, não era de contar
vantagem, tinha gênio desafiador, mas não era arrogante
e trazia de berço a marca gloriosa do Macuco. Só
isso já bastaria para nos aproximar.
Houve uma certa desconfiança da patota quanto ao verdadeiro
valor do Plínio porque ele próprio se proclamava
analfabeto, coisa espantosa naquele ambiente todo intelectualizado.
De minha parte, nunca duvidei de seu talento e ele sabe disso.
Topei muita discussão, até com meu poetirmão
Roldão Mendes Rosa, grande nome da poesia santista, mas
dotado de um acentuado espírito crítico. Meu irmão
pintor, Nelson Penteado de Andrade, vivia insistindo com o Plínio
para ele se aperfeiçoar na língua portuguesa se
queria mesmo ser escritor.
Mas o destino daquele Plínio audaz e provocador já
estava traçado: não seria apenas mais um escritor
provinciano, porém o grande dramaturgo a marcar com seu
texto vibrante e indignado toda uma fase de nossa história
teatral.
A acidentada trajetória de Plínio todos conhecem.
Sua luta inaudita durante os duros anos da ditadura com a maioria
dos textos censurados e proibidos, as dificuldades do dia-a-dia
a vender os livros que escrevia à porta dos teatros paulistanos,
enfim uma vida a transcorrer sempre no exercício da mais
profunda fidelidade, a si mesmo, aos amigos e a todos aqueles
que sempre o cercaram. Todos nós sabemos que por trás
daqueles modos insólitos se ocultava o menino sensível
do Macuco.
Estamos torcendo pela sua recuperação que, felizmente,
já está se processando. Torcedor do Jabaquara
é assim mesmo: sempre sabe dar a volta por cima. Diz
para a Vera que estou esperando o livro de contos que você
me prometeu.
(texto escrito pouco antes do falecimento de Plínio Marcos) |
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Plínio
Marcos
Por Renato Roschel
Autor maldito de assuntos malditos como homossexualismo, marginalidade,
prostituição e violência, Plínio
Marcos foi um dos primeiros a retratar a vida dos submundos
de São Paulo. É o João Antônio do
teatro brasileiro. Nunca cedeu. Impôs sempre sua verve
sem hipocrisias. Direta, forte e sem arestas. Era, segundo ele
mesmo afirmava, "figurinha difícil". Foi, entre
as coisas que dele se sabe, dramaturgo, ator, jornalista, tarólogo,
camelô de seus próprios livros, técnico
da extinta TV Tupi, jogador de futebol e palhaço.
Nasceu em Santos (SP) a 29 de setembro de 1935 e morreu em São
Paulo (SP) a 19 de novembro de 1999. Depois de tentar tornar-se
jogador de futebol e de trabalhar como palhaço de circo
por cinco anos, escreveu, aos 22 anos, sua primeira peça,
Barrela, a qual chegou às mãos de Patrícia
Galvão (Pagu), que ficou entusiasmada ao lê-la.
A partir daí, e com a ajuda de Pagu, Plínio integrou
o elenco de companhias amadoras de teatro. Depois, transferiu-se
para São Paulo, no início da década de
60, onde participou da criação do Centro Popular
de Cultura da UNE (União Nacional dos Estudantes).
Na década de 60, Plínio participou, também,
da novela Beto Rockfeller, na TV Tupi, de 4 de novembro
de 1968 a 30 de novembro de 1969, fazendo o papel de Vitório,
melhor amigo de Beto Rockfeller (Luiz Gustavo) - personagem
principal da novela. Em entrevista concedida à Folha,
em 1993, Plínio afirmou: "nunca gostei de trabalhar.
Só fiz Beto Rockfeller para não ficar órfão
("ficar órfão" significava cair nas
garras dos militares). Quando me ofereceram o papel, pensei:
se aceitá-lo, ganharei evidência. E, enquanto estiver
em evidência, os milicos não me pegarão."
Aliás, a ligação de Plínio com a
TV brasileira nunca foi das melhores. Em 1994, ao responder
à pergunta "Qual foi o 1º programa que você
viu na TV?", feita para uma enquete do caderno TV Folha,
da Folha de São Paulo, ele respondeu: "Nada. Nunca
vi TV".
Na mesma época da novela Beto Rockfeller, Plínio
era uma pedra no sapato dos militares que governavam o país.
Eles o viam como um "inimigo do sistema". Seu crime?
As peças Dois Perdidos numa Noite Suja e Navalha
na Carne, escritas entre 1966 e 1967.
Para os milicos, peças que traziam um mundo sem meias
palavras, direto e convincente, que davam tratamento dramático
à realidade de prostitutas, gigolôs e bandidos,
poderiam servir à subversão. Sob o governo militar,
Barrela também foi proibida, e, em 1970, Abajur
Lilás foi censurada (as duas obras só seriam
liberadas em 1980).
Com todas as suas peças proibidas pelo regime militar,
Plínio quase desistiu da carreira de dramaturgo. Na década
de 80, quando a ditadura terminou e suas peças foram
liberadas, Plínio novamente surpreendeu. Escreveu as
peças Jesus Homem e Madame Blavatsky nas
quais mostra um lado mais espiritualista. Em 1985, ganhou os
prêmios Molière e Mambembe pela peça Madame
Blavatsky.
Entre suas melhores obras estão: Barrela (1958),
Dois Perdidos Numa Noite Suja (1966), Navalha na Carne
(1967), Quando as Máquinas Param (1972), Madame
Blavatsky (1985).
Segundo o crítico e historiador de teatro, Décio
de Almeida Prado, "Plínio tinha uma experiência
humana ligada às classes pobres e levou esse mundo para
o teatro, até então em grande medida desconhecido.
O teatro dele não era exatamente político, de
pobres contra ricos, mas trazia uma experiência amarga
dos pobres, e isso representou uma grande novidade. Navalha
na Carne é uma peça com muita força,
com três excluídos que sofrem e nos fazem sofrer".
(11/07/2003) |
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Uma
amostra |
Amor é
amor
por Plínio Marcos
Mulher gamada é fogo. Elas, quando se vidram e se amarram
num homem, são capazes de fazer das tripas coração
pra defender seus interesses. Uma mulher apaixonada se transforma
dos pés à cabeça. Se é classuda,
cai da panca e, sem vacilar, apronta os maiores salseiros. Se
é acanhada, endoida e não regateia pra fazer um
escândalo. Esse lance de que a mulher mesmo muito ligada
num homem e tal e coisa, se enruste e se fecha em copas porque
tem categoria é papo furado. Mulher que deixa o amor
no barato não está toda na parada. Que nada! Às
vezes, está por solidão, por simpatia, por conveniência
e os cambaus. Nunca por gama. É isso. Não tem
erro. Sou eu que afirmo, e de mulher eu entendo. Mas deixa isso
de lado. O que quero contar e o que pesa na balança é
a história da Dilma Fuleira e da Celeste Bicuda, duas
flores da Barra do Catimbó que se unharam e se dentaram
por amor ao Ariovaldo Piolho, um vagau de pouca presença
física, mas de muita embaixada. Ele lidava com seu rebanho
com mil e um macetes e, por essas e outras, sempre foi muito
considerado pelo mulherio. É verdade que esse perereco
se deu nas quebradas do mundaréu, onde o vento encosta
o lixo e as pragas botam os ovos, mas, se acontecesse nos salões
da mais fina gente da sociedade, não me causava nenhum
espanto. Mulher é mulher em qualquer lugar. Mestre Zagaia,
velho cabo-de-esquadra que navegou sem bandeira por muita água
barrenta e que bateu perna à toa pelos caminhos mais
escamosos, esquisitos e estreitos do roçado do bom Deus,
viu quizilas de assombrar negos de patuá forte, embrulhou
sua solidão em muito lençol encardido e escancarou
nas Tabuadas das Candongas uma dica sobre o assunto:
- Depois dos panos arriados, o espetáculo é sempre
o mesmo.
E, se Mestre Zagaia falou, tá falado. Mulher é
sempre mulher. E a Dilma Fuleira e a Celeste Bicuda também
são, embora à primeira vista não pareçam.
Sabe como é. Elas nasceram lesadas da sorte e só
pegaram a pior. Bagulho catado no chão da feira nunca
fez bem à beleza de ninguém.
Porém (e sempre tem um porém), não foi
a condição de bagulho que impediu que elas tivessem
grandes ilusões a respeito de amor. E o galã dos
sonhos das duas era, como já disse, o Ariovaldo Piolho.
Esse vagau se serviu das duas sem a mínima cerimônia.
Foi ali na base do agrião. Como as duas estavam a fim
dele, o danado negociou. Fez valer a velha e tinhosa lei da
oferta e da procura. Se fingia de morto e esperava pra ver quem
comparecia no seu enterro.
Como quem não quer nada, pegava a grana na mão
da Dilma, cumpria a obrigação e ia buscar os pixulés
com a Celeste. E se o dinheiro compensava, não deixava
ela em falta. Até que o caldo engrossou.
Bateu sujeira. O doutor delerusca resolveu acabar com o pesqueiro
das piranhas e a Dilma Fuleira e a Celeste Bicuda se viram no
papo-de-aranha. Escaparam da cana, mas o faturamento caiu às
pamparras. E, no meio disso tudo, o Ariovaldo Piolho sentiu
o aroma da perpétua. Vagau escolado por muitos anos de
janela é sempre cem por cento profissional. Sem pagório,
deixou as mulheres na saudade. E se deu o esquinapo.
A Dilma Fuleira achou que o Piolho não queria nada com
ela porque estava enredado pela Celeste Bicuda. Procurou a rival
e, sem conversa, deu-lhe uma tremenda biaba. A Celeste Bicuda
era encardida. Encarou, mas não deu nem pra saída.
A Dilma Fuleira era gordona e alta. A Celeste, baixinha e só
pele e osso. Teve que apanhar e correr. Porém, como não
era de engolir nada enrolado, a Celeste Bicuda tramou a forra.
Foi na macumba levar o nome da Dilma Fuleira pra sua mãe-de-santo
enterrar no cemitério. Feita a façanha, a Celeste
Bicuda se botou a boquejar nos botecos. Garantia pra quem duvidasse
que a Dilma Fuleira ia murchar até morrer. E não
faltou fuxiqueiro pra ir rapidinho envenenar a Dilma. E ela,
que já estava atolada até o gogó no pântano,
acreditou que a bananosa toda que curtia era devido à
mandinga da Celeste. Se picou de raiva e jurou pela luz que
a iluminava que ia pegar a inimiga e dar pancada até
ela desenterrar seu nome. E foi pra guerra.
A Dilma encontrou a Celeste no seu barraco e nem pediu licença.
Entrou na força bruta e foi botando pra quebrar. De repente,
a Celeste Bicuda deu uns gritos, uns pulos pro alto e, quando
desceu, era uma fera batusquela. Passou a mão numa enxada
e tocou o bumba-meu-boi no lombo da Dilma, que se viu obrigada
a dar pinote. Mas a Celeste foi na captura e derrubou o barraco
da Dilma a enxadada. Em desespero e apavorada com a fúria
da Celeste Bicuda, a Dilma se refugiou na casa do Piolho. A
Celeste não tomou conhecimento. Aliás, ainda ficou
mais endoidada de ver a rival junto do homem da sua gama. Aumentou
o escarcéu.
O Ariovaldo, sem se afobar saiu de fininho e chamou a polícia.
A cana chegou e ferrou a Celeste e a Dilma. No Distrito, a Celeste
falou que não tinha nada com a briga. Foi o exu da sua
crença que encarnou nela pra acabar com a Dilma. A Dilma,
de zoeira, entregou tudo como era. Disse pro doutor que a bronca
era por causa do Piolho, que estava na fita como testemunha.
O delegado quis saber se o Piolho tinha emprego. Não
tinha. Entrou em pua e as mulheres foram dispensadas. Mas continuam
pelejando por amor. Uma visita o vagau às quartas-feiras;
a outra, aos domingos. E todas as duas levam o santo dinheirinho
de presente pro Ariovaldo Piolho, o bom amante.
(extraído do livro "Histórias das Quebradas
do Mundaréu") |
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